Livro Dendrometria e Inventário Florestal

Carlos Pedro Boechat Soares; Francisco de Paula Neto; Agostinho Lopes de Souza

 

AMOSTRAGEM EM OCASIÕES SUCESSIVAS

1. Conceitos básicos

O inventário florestal em ocasiões sucessivas, também denominado Inventário Florestal Contínuo (IFC), é realizado com o objetivo de analisar as mudanças ocorridas na floresta durante certo período de tempo. Com isso, pode-se realizar o monitoramento de planos de manejo em florestas naturais, determinar a idade de colheita técnica e econômica em florestas plantadas e gerar dados para a modelagem de crescimento e da produção florestal.

O período de tempo entre medições sucessivas depende da taxa de crescimento da floresta e do custo para a realização do inventário. No Brasil, os inventários contínuos (IFCs) são realizados anualmente em plantações e a cada dois ou três anos no caso de florestas naturais, de preferência nas estações mais secas do ano.

 

2. Procedimentos de amostragem

Entre os procedimentos de amostragem que podem ser utilizados nos inventários florestais em sucessivas ocasiões, destacam os apresentados nos tópicos subseqüentes.

2.1. Amostragem com repetição total das unidades de amostra

Também denominado Inventário Florestal Contínuo (IFC) propriamente dito, neste procedimento se utilizam unidades de amostra permanentes, as quais são medidas em todas as ocasiões. Embora seja o procedimento ideal para avaliar o crescimento, deve-se ressaltar que as árvores dentro das unidades de amostra devem ser mapeadas e, ou, identificadas através de plaquetas metálicas, para que a análise do crescimento seja completa. Apenas marcar o limite da unidade de amostra não é o bastante nesse caso.

A utilização de parcelas permanentes, com controle de árvore a árvore, permite avaliar alterações na estrutura interna da floresta, através da análise dos seguintes componentes:

Ingresso (I): diz respeito às árvores que atingiram um tamanho mínimo mensurável, preestabelecido em função do uso da madeira.

Mortalidade (M): diz respeito às árvores que morreram durante um período de tempo.

Corte ou desbaste (C): trata-se de árvores que foram removidas da floresta para um uso qualquer ou por questão fitossanitária.

Crescimento propriamente dito (ΔY): refere-se à mudança nas dimensões das árvores durante o período de crescimento.

Esses componentes podem ser expressos em termos do número de árvores, volume, área basal, entre outros.

Em florestas naturais tropicais, nas quais a dinâmica de crescimento é complexa em função da sua composição florística e do estágio de sucessão e, ou, degradação, a análise desses componentes serve de balizamento para as tomadas de decisão e para as atividades a serem implementadas nos planos de manejo florestal.

A título de exemplo, se em duas ocasiões sucessivas parcelas permanentes forem medidas e o volume permanecer praticamente constante, isso não quer dizer que as árvores da floresta não cresceram. Pode ter havido remoção de algumas delas, porém as árvores remanescentes cresceram, de tal forma que os volumes nas duas ocasiões podem ter sido os mesmos. Percebe-se que essa análise do crescimento só poderá ser realizada se as árvores estiverem identificadas em cada ocasião do inventário.

No caso de florestas plantadas, o ingresso (I), por exemplo, tem peso relativamente pequeno na análise do crescimento. Estudos, no Brasil, têm apontado que, após 24 ou 30 meses, o número de árvores que ingressam nas medições (normalmente árvores com DAP > 5,0 cm) é muito pequeno. A mortalidade, por sua vez, tem peso maior, por ser um indicativo do grau de competição dentro da floresta, da capacidade produtiva do local e de condições fitossanitárias, indicando ou não a necessidade de intervenções na floresta.

Através de inventários em ocasiões sucessivas, podem-se definir as curvas e expressões do crescimento em florestas plantadas (Figura 9.1).

           

Figura 9.1 - Curva de crescimento acumulado ou produção e curvas de incremento corrente (IC) e incremento médio (IM).

Em que:

* Incremento Corrente (IC): é a diferença entre as dimensões de uma árvore ou uma floresta tomadas no fim (Y2) e início (Y1) do período de crescimento. O Incremento Corrente Anual (ICA) é calculado pela seguinte expressão:

      

* Incremento Médio (IM): é quanto a floresta cresceu em média até uma idade (I) qualquer. O Incremento Médio Anual (IMA) é calculado por:

       

* Idade Técnica de Colheita (ITC): idade na qual se deve realizar a colheita da madeira, do ponto de vista técnico. Ela ocorre no ponto máximo da curva do IMA.

Além das expressões do ICA e do IMA, pode-se calcular o Incremento Periódico Anual (IPA). Essa expressão de crescimento normalmente é calculada para florestas naturais, em que o inventário é realizado em períodos de tempo (t) superiores a um ano. O IPA é dado pela seguinte expressão:

      

2.1.1. Exemplo 1

Através de medições sucessivas em uma plantação de eucalipto, obteve-se a produtividade média, em m3/ha, aos 36, 48, 60, 72 e 84 meses de idade. Com as expressões definidas anteriormente, foram calculados os Incrementos Correntes Anuais e os Incrementos Médios Anuais e definida a respectiva Idade Técnica de Colheita:

     

2.1.2. Exemplo 2

Para ilustrar o uso de parcelas permanentes na avaliação do crescimento de uma floresta de eucalipto em um inventário contínuo, sejam as seguintes estimativas de volume por hectare de 10 unidades de amostra, selecionadas aleatoriamente e medidas em 1996 e remedidas em 1997:

      

* Dados

* Área = 90,0 ha        * N = 1.500             * α = 5%                 * E% = ± 10%          * Parcelas = 600 m2

* Primeira ocasião (1996)

a) Média estimada

      

b) Variância da amostra

    

c) Desvio-padrão

     

d) Erro-padrão

     

e) Erro de amostragem em porcentagem => t(5%; 9 gl) = 2,262

    

O erro de amostragem calculado foi menor do que a precisão requerida. Nesse caso, não será necessário lançar mais nenhuma unidade no campo. Contudo, cabe ressaltar que, uma vez que o inventário será realizado em mais de uma ocasião, deve-se ter em mente que a intensidade amostral na primeira ocasião deverá atender à precisão requerida em outras ocasiões. Para isso, devem-se lançar mais parcelas do que o indicado na primeira ocasião, dando margem a um possível aumento do erro de amostragem calculado.

* Segunda ocasião (1997)

a) Média estimada

   

b) Variância da amostra

   

c) Desvio-padrão

   

d) Erro-padrão 

  

e) Erro de amostragem em porcentagem => t(5%; 9 gl) = 2,262

  

* Análise do crescimento em volume no período 1996–1997

a) Crescimento (ou diferença entre as médias)

   

b) Erro-padrão

 

sendo:

 

Assim,

  

c) Erro de amostragem para o crescimento => t(5%; 18 gl) = 2,101

  

d) Intervalo de confiança do crescimento

 

2.2. Amostragem sucessiva independente

Neste procedimento de amostragem são utilizadas parcelas temporárias, as quais são medidas uma única vez, sendo abandonada toda a estrutura de amostragem para a medição no período seguinte. Este não é o melhor procedimento para analisar as mudanças na floresta, uma vez que os indivíduos (árvores) amostrados não são os mesmos em cada ocasião.

Na análise do crescimento utilizando parcelas temporárias, podem ser empregados os estimadores da amostragem casual simples em cada ocasião, caso as unidades de amostra tenham sido selecionadas aleatoriamente, à semelhança da amostragem com parcelas permanentes no item anterior. No entanto, na análise do crescimento a estimativa do erro-padrão da diferença média será obtida por:

     

Esse estimador é semelhante ao do erro-padrão da diferença média na amostragem com parcelas permanentes. No entanto, como as unidades não são as mesmas nas duas ocasiões, a co-variância entre elas é zero.

2.2.1. Exemplo

Considerando os dados apresentados no exemplo do item 2.1.2 como de inventários sucessivos utilizando parcelas temporárias, têm-se as seguintes estatísticas paras as duas ocasiões:

      

* Análise do crescimento em volume no período 1996-1997

a) Crescimento (ou diferença entre as médias)

    

b) Erro-padrão

   

Uma vez que a co-variância entre as medidas das duas ocasiões é igual a zero, o erro-padrão da média aumenta significativamente o seu valor, em comparação com o erro-padrão da média na amostragem utilizando parcelas permanentes (exemplo do item 2.1.2).

c) Erro de amostragem do crescimento => t(5%; 18 gl) = 2,101

   

d) Intervalo de confiança do crescimento

    

2.3. Dupla amostragem

Neste procedimento de amostragem sucessiva, apenas parte das unidades de amostra medidas em uma primeira ocasião é remedida em uma segunda oportunidade. Assim, a estimativa da média da população é obtida na segunda ocasião, com o auxílio de regressão linear.

Esse procedimento pode ser utilizado no caso de restrições orçamentárias em que não é possível remedir todas as unidades de amostra em uma segunda ocasião ou no caso de áreas de difícil acesso em que, por qualquer impedimento, podem ser medidas somente algumas unidades de amostra.

2.3.1. Exemplo

Para ilustrar a utilização deste procedimento em inventários sucessivos, têm-se os dados de 20 unidades de amostra de 0,5 ha cada, selecionadas aleatoriamente e medidas em uma primeira ocasião, em uma floresta de 100 ha, das quais apenas 12 foram remedidas em uma segunda ocasião.

       

* Dados

N = 200,          α = 5%            e          t(5%; 19 gl) = 2,093

* Notações

n1 = número total de unidades de amostra medidas na 1ª ocasião => 20;

u = número de unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e que não foram medidas na 2ª => 8;

n2 = m = número de unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e remedidas na 2ª => 12;

Pu = proporção de unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e que não foram medidas na 2ª => 8/20 = 0,4; e

Pm = proporção de unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e remedidas na 2ª => 8/12 = 0,6.

* Primeira ocasião

a) Médias estimadas

a.1) das unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e que não foram medidas na 2ª (u = 8)

    

a.2) das unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e remedidas na 2ª (m = 12)

   

a.3) de todas as unidades de amostra medidas na 1ª ocasião (n1 = 20)

    

b) Variâncias e desvios-padrão estimados

b.1) das unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e que não foram medidas na 2ª (u = 8)

    

b.2) das unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e remedidas na 2ª (m = 12)

   

b.3) de todas as unidades de amostra medidas na 1ª ocasião (n1 = 20)

   

c) Variância da média

   

d) Erro-padrão 

    

e) Erro de amostragem em porcentagem

   

f) Volume total estimado na primeira ocasião

   

g) Intervalo de confiança para a média e para o volume total

   

* Segunda ocasião

Com os dados das unidades de amostra medidas na segunda ocasião, obtiveram-se as seguintes estatísticas:

a) Média estimada

   

b) Variância da amostra

 

c) Desvio-padrão

   

d) Estimativa média na segunda ocasião, obtida por regressão

 

tal que a estimativa do coeficiente angular  é dada por:

 

em que: X e Y = volumes das unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e remedidas na 2ª, respectivamente.

Assim,

  

Consequentemente,

   

Esta é uma estimativa da média se todas as 20 unidades de amostra tivessem sido medidas na segunda ocasião.

e) Variância da média obtida por regressão

   

sendo:

 

Desta maneira,

  

f) Erro-padrão obtido por regressão

   

g) Volume total estimado na segunda ocasião

 

h) Erro de amostragem em porcentagem => t(5%; 11 gl) = 2,201

 

i) Intervalo de confiança para a média e do volume total

  

* Análise do crescimento

a) Crescimento (ou diferença entre as médias)

  

b) Variância

 

sendo:

 

Assim,

  

c) Erro-padrão

  

d) Crescimento total estimado

  

e) Erro de amostragem porcentual => t[5%; (n1-1) + (n2-1) = 30 gl] = 2,042

 

f) Intervalo de confiança para crescimento

  

2.4. Amostragem com repetição parcial das unidades de amostra

Neste procedimento de amostragem sucessiva, parte das unidades de amostra medidas na primeira ocasião é remedida em uma segunda e a outra parte se refere a unidades de amostra novas. Ware e Cunia (1962), citados por Pellico Netto e Brena (1997), apresentaram, de forma detalhada, a teoria desse procedimento de amostragem aplicada à inventários florestais.

2.4.1. Exemplo

Para ilustrar a utilização deste procedimento na estimação do crescimento florestal em inventários sucessivos, têm-se os dados de unidades de amostra de 0,5 ha, selecionadas aleatoriamente e medidas em duas ocasiões, em uma floresta de 100 ha.

     

* Dados

N = 200,          α = 5%                        e          t(5%; 14 gl) = 2,145

* Notações

n1 = número total de unidades de amostra medidas na 1ª ocasião => 15;

n2 = número total de unidades de amostra medidas na 2ª ocasião => 15;

u = número de unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e substituídas na 2ª => 5;

m = número de unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e remedidas na 2ª => 10;

n = número de unidades de amostra medidas na 2ª ocasião e que não foram medidas na 1ª => 5;

Pu = proporção de unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e substituídas na 2ª => 5/15 = 0,33; e

Pm = proporção de unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e remedidas na 2ª => 10/15 = 0,67.

* Primeira ocasião

a) Médias estimadas

a.1) das unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e substituídas na 2ª (u = 5)

   

a.2) das unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e remedidas na 2ª (m1 = 10)

 

a.3) de todas as unidades de amostra medidas na 1ª ocasião (n1 = 15)

 

b) Variâncias e desvios-padrão estimados

b.1) das unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e substituídas na 2ª (u = 5)

 

b.2) das unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e remedidas na 2ª (m1 = 10)

  

b.3) de todas as unidades de amostra medidas na 1ª ocasião (n1 = 15)

 

c) Variância da média

d) Erro-padrão

 

e) Erro de amostragem, em porcentagem

 

f) Volume total estimado na primeira ocasião

 

g) Intervalo de confiança da média e do volume total

 

* Segunda ocasião

Com os dados das unidades de amostra medidas na segunda ocasião, obtiveram-se as seguintes estatísticas:

a) Médias estimadas

a.1) das unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e remedidas na 2ª (m2 = 10)

  

a.2) das unidades de amostra medidas na 2ª ocasião e que não foram medidas na 1ª (n = 5)

  

b) Variâncias e desvios-padrão estimados

b.1) das unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e remedidas na 2ª (m2 = 10)

  

b.2) das unidades de amostra medidas na 2ª ocasião e que não foram medidas na 1ª (n = 5)

 

b.3) de todas as unidades de amostra medidas na 2ª ocasião (n2 = 15)

 

c) Estimativa da média na segunda ocasião ( )

O estimador não tendencioso de é:

 

sendo:

 

em que: X e Y = volumes das unidades de amostra medidas na 1ª ocasião e remedidas na 2ª, respectivamente;

    

Assim,

    

Logo,

    

d) Variância da média ()

    

e) Erro-padrão

    

f) Erro de amostragem em porcentagem

   

g) Volume total estimado na segunda ocasião

   

h) Intervalo de confiança da média e do volume total

   

* Análise do crescimento

a) Crescimento ()

   

em que:

 

Assim,

  

Logo,

  

b) Variância da média

   

Assim,

  

c) Erro-padrão

    

d) Crescimento total estimado

    

e) Erro de amostragem porcentual => t[5%; (n1-1) + (n2-1) = 28 gl] = 2,048

 

f) Intervalo de confiança para o crescimento

   

 

3. Referência Bibliográfica

PELLICO NETO, S.; BRENA, D.A. Inventário florestal. Curitiba: [s.l.]: 1997. 316 p.

 

 

 

 

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